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ENTREVISTA

Tiago Peres: "Na atualidade o reintegracionismo tem alcançado mais prestigio social"

M.L.  |  01 de octubre de 2014 (10:00 h.)
Tiago Peres [Imaxe: M.L.]

Conversamos com o historiador e autor da “Breve História do Reintegracionismo” (ATRAVÉS editora), obra que desvenda valiosos dados sobre as origens do movimento reintegracionista e de codificação do galego. 

Tiago Peres Gonçales (Ourense). Ativista desde mui jovem do movimento reintegracionista (no Grupo Meendinho ou no MDL), este historiador ourensano licenciado em História pela USC (Universidade de Santiago de Compostela) tem focado o seu interesse no estudo do nacionalismo galego, nomeadamente do centro direita galeguista e a experiência de Coalición Galega, âmbito sobre o qual está a realizar na atualidade a sua Tese Doutoral. 

Nos últimos anos dedicou-se a investigar o relacionamento do galeguismo com o reintegracionismo. Fruto do seu trabalho nasceu no verão de 2014 a “Breve História do Reintegracionismo”, obra que desvenda valiosos dados sobre as origens do movimento reintegracionista e de codificação do galego. 

Como é que surge a ideia de escrever um livro como a “Breve História de Reintegracionismo”?

A ideia surge numa conversa com Valentim R. Fagim, naquela altura presidente da AGAL (Associaçom Galega da Língua). Foi ele quem me falou da possibilidade de escrever um livro sobre a história do reintegracionismo, mas de carácter divulgador e onde tivesse muita importância o apartado gráfico. A mim pareceu-me mui boa ideia, já que embora existiam estudos muito profundos sobre algumas etapas do movimento, não havia um livro que proporcionasse uma visão global desde o seu nascimento até a atualidade. Foi precisamente essa ideia a que me animou a escreve-lo. 

Encontras-te  durante as tuas pesquisas factos que o pessoal não muito relacionado com a língua pudesse achar pouco verosímeis? 

Com certeza, e de facto não poderia ser doutro jeito. As gerações instaladas no sistema educativo com as NOMIGA (Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego), é dizer, com a normativa aprovada pela RAG (Real Academia Galega) e o ILG (Instituto Galego da Língua) em 1982, foram educadas para pensarem que o galego e o português são duas línguas diferentes. Porquê iam achar verosímeis as propostas dos defensores de uma confluência ortográfica com o português? Foram educadas para pensarem o contrário. Mas se algo é a história é causalidade, e os historiadores devemos perguntar-mos porque aconteceu assim, bem como se poderia ter acontecido doutro jeito. E esta é uma das virtualidades do livro, já que fornece suficiente informação para pensarmos que não todo estava “atado y bien atado” com respeito a aprovação das NOMIGA. E não só isso, senão que desde os próprios inícios da codificação do galego, as lutas normativas entre os partidários de uma confluência com o português e os separadores ou isolacionistas foram lugar comum na história do galeguismo.

Como valoras a rutura de consensos linguísticos a respeito da norma na década dos oitenta? 

"A rutura de consensos a respeito da norma trouxe como consequência a divisão do movimento normalizador em duas grandes tendências: a isolacionista e a reintegracionista"

A rutura de consensos a respeito da norma trouxe como consequência a divisão do movimento normalizador em duas grandes tendências: a isolacionista que contava com todo o capital que outorgava o poder político representado por Alianza Popular, e a reintegracionista, à margem da oficialidade mas com a auctoritas de Carvalho Calero, a pessoa mais importante na codificação do galego durante a pós-guerra. De facto, o próprio isolacionismo tem reconhecido a sua debilidade ao não contarem com uma pessoa com o capital simbólico de Carvalho. Por causa disso optaram em apoiar-se em duas instituições como a  RAG (Real Academia Galega) e no ILG (Instituto Galego da Língua). 

Cumpre salientar que esta divisão produzida a partir de 1982 foi um fenómeno novo dentro do galeguismo. Já que embora com anterioridade existissem diferenças com respeito à codificação do galego e a sua unificação ortográfica, estas diferenças não causaram a marginalidade dos agentes que defendiam a confluência com o português como um Johán Vicente Viqueira ou um Antón Villar Ponte por colocarmos dois exemplos. E não só, estes agentes continuaram a ter um enorme prestigio nas filas do galeguismo. Isso vai mudar a partir de 1982 com a aprovação das NOMIGA e o passagem à marginalidade daqueles que defenderam a unificação ortográfica com o português, incluídos Carvalho Calero, Rodrigues Lapa ou Jenaro Marinhas del Valle. 

Pode ajudar a “Breve História” para entendermos as motivações das pessoas que têm puxado do carro do reintregracionismo? 

Espero que assim seja, já que um dos objetivos do livro era tirar do esquecimento uma parte importante do movimento normalizador como é o reintegracionista. Neste sentido acho que o reintegracionismo é um movimento muito interessante de qualquer ponto de vista  historiográfico. O motivo não é outro que o facto de terem ficado à margem da oficialidade e neste sentido terem construido diferentes estruturas organizativas  que lembram outros movimentos sociais. Tendo um amplo repertório de ação coletiva e de desobediência civil, bem como agindo a nível institucional como por exemplo com a ILP Valentim Paz Andrade. 

Como historiador achas que o reintegracionismo está à viver uma nova etapa na sociedade Galega com maiores apoios e uma visão completa da nossa língua por parte dos galegos e galegas? 

Sempre é difícil avaliar o grado de permeabilidade dum movimento como o reintegracionista. No entanto, se bem é certo que a partir da década de 90 produziu-se a emergência do movimento com a criação dos chamados Grupos Reintegracionistas de Base ou a fundação do MDL (Movimento Defesa da Língua), acho que na atualidade o reintegracionismo tem alcançado mais prestigio social não só pelas organizações que continuam a difundir o seu pensamento como a AGAL, os Centros Sociais ou determinados meios de comunicação social, como também pelo carácter transversal dum movimento que vai para além de siglas e de ideologias.  Neste sentido não podemos passar por alto a recente aprovação da ILP Valentim Paz Andrade ou o facto que reconhecidos escritores em galego como Teresa Moure, Sechu Sende ou Vitór Vaqueiro, com grande público leitor às suas costas, decidissem aderir a proposta reintegracionista.

Por que este livro pode interessar a qualquer pessoa que sinta curiosidade polas questões galegas? 

“Acho que este livro pode interessar nomeadamente àquelas pessoas que tenham algum interesse pela língua galega"

Acho que pode interessar nomeadamente àquelas pessoas que tenham algum interesse pela língua galega, ou aquelas que queiram ter um conhecimento mais profundo da própria história do galeguismo no referido ao âmbito linguístico. E acho que pode ser assim, na medida em que oferece muita informação pouco ou nada conhecida com anterioridade. Por colocar tão só um exemplo, Antón Villar Ponte e Johán Vicente Viqueira tentaram em 1918 que a Nosa Terra, é dizer o vozeiro mais importante do galeguismo na altura, escrevesse com uma ortografia mais confluente com a portuguesa. Não o conseguiram por causa da pressão dos assinantes. Mas este facto, e outros relacionados com as lutas ortográficas nos vozeiros do regionalismo ou do nacionalismo, são  pouco conhecidos mesmo naqueles setores interessados na história do galeguismo. 

Que perdeu a sociedade galega com o triunfo político da norma ILG-RAG que nos desliga do Brasil e de Portugal?

"A  ideia da ILP Valentim Paz Andrade é aproveitar as potencialidades que temos na Galiza de conexão com o mundo lusófono"

Pois perdeu-se muito tempo, um tempo valioso se temos em conta a diminuição de galego- falantes e a falta de transmissão generacional do galego. Mas não só isso. Uma norma confluente com o padrão português não só teria agido como um reforço para os galego- falantes, ao serem utentes de duas línguas internacionais. Também se teriam alcançado maiores cotas de bem estar na sociedade. Tão só temos que olhar para o exemplo da Comunidade Autónima da Extremadura. Esta comunidade leva anos introduzindo a aprendizagem do português no ensino, embora não tenha as semelhanças linguístico-culturais que sim temos na Galiza. Deste modo, os alunos instalados na língua portuguesa têm não só a virtualidade de conhecer a segunda língua românica mais falada no mundo, bem como o alargamento das suas possibilidades no âmbito laboral. Precisamente a ideia da ILP Valentim Paz Andrade é aproveitar as potencialidades que temos na Galiza de conexão com o mundo lusófono. Desejemos pelo bem de todos os galegos e galegas que assim seja.